OPINIÃO – FERNANDO REBOLA

Empreendedorismo e educação

Uma simples pesquisa no Google pelo termo “empreendedorismo” revela cerca de 15 600 000 resultados. Se repetirmos a pesquisa mas com o termo em língua inglesa, “entrepreneurship”, encontramos cerca de 83 100 000 resultados. Este indicador revela o lugar de destaque que o conceito de “empreendedorismo” tem vindo a conquistar no debate público das diversas dimensões que se enquadram no contexto global da economia do conhecimento e da sociedade da informação. O empreendedorismo é, na verdade, uma marca cultural dos nossos tempos, intrinsecamente ligada a escolhas ideológicas associadas à organização e progresso das sociedades. Assim, a Escola, não sendo neutra, é perspetivada como um ator determinante na operacionalização dessas políticas e a crescente relevância que o empreendedorismo tem vindo a assumir, em particular para os jovens, tem-se igualmente traduzido numa disseminação crescente de projetos de educação na área do empreendedorismo, em particular nos Estados Unidos e na Europa.

De facto,  a União Europeia, na perspetiva de constituir um referencial europeu para as políticas educativas, tem vido a influenciar as políticas dos estados membros para incluir o empreendedorismo como uma competência chave do currículo escolar. A este respeito, em 2004, a Comissão Europeia[1] enuncia:

A dinâmica empresarial da Europa tem de ser fomentada de modo mais eficaz. Têm que surgir mais empresas novas capazes de lançar projetos criativos ou inovadores e mais empresários. É reconhecido que a educação pode contribuir amplamente para a criação de uma cultura mais empresarial, começando com os jovens e com a escola. A promoção de atitudes e competências empresariais é proveitosa para a sociedade em geral, para além da sua aplicação a novos projetos empresariais. Em sentido lato, o espírito empresarial deve ser considerado como uma atitude global que pode ser utilmente aplicada a todas as atividades laborais e à vida em geral. Nesta perspetiva, os objetivos da educação devem procurar incentivar nos jovens as qualidades pessoais que formam a base desse espírito, como criatividade, iniciativa, responsabilidade, capacidade de arriscar e independência. (p.6)

Ainda a este respeito, em 2005, a Comissão Europeia[2], reforça que “Para realizar os objectivos da Estratégia de Lisboa, entretanto relançada, a Europa tem de privilegiar o conhecimento e a inovação. A promoção de uma cultura mais empreendedora, a inculcar nos jovens desde o ensino escolar, constitui uma parte significativa deste esforço” (p. 7).

Mais recentemente, a atual estratégia “Europa 2020”, assume que a educação para o empreendedorismo de crianças e jovens em idade escolar é uma prioridade para a prossecução de um crescimento económico inteligente, sustentável e capaz de induzir mudanças societais para que estas se tornem mais empreendedoras.

É nesta matriz, dominada claramente pela perspetiva económica, que se têm desenvolvido projetos nas escolas, por toda a Europa, para corresponder à agenda determinada pela Comissão Europeia. Portugal não é exceção a esta regra e, entre 2006 e 2009, existiu um muito pouco divulgado Projeto Nacional de Educação para o Empreendedorismo, promovido pela Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação, no âmbito do qual se desenvolveram projetos em várias escolas do país. Num estudo realizado sobre estes os projetos, Teixeira (2012)[3], concluiu que “o fomento e a educação para o empreendedorismo ainda têm um longo caminho a percorrer. Há mudanças que têm de ocorrer, adaptações que devem ser realizadas, culturas que têm de ser transformadas e, certamente, esta tem de ser uma luta persistente e continua.” (p.101). Nesse mesmo estudo, o autor constatou, também, que o sucesso dos projetos de educação para o empreendedorismo dependia de duas condições:

  • a motivação da escola, do órgão de gestão, dos professores e alunos, a qual deverá ser amplamente fomentada;
  • a flexibilização da estrutura organizacional da escola para uma adequação do projeto ao contexto interno e externo.

Um olhar sobre diversos projetos, evidencia que a educação para o empreendedorismo não se limita a uma visão mais restritiva, apesar de mais comum, de uma educação vocacionada para a criação de empresas ou para o autoemprego. Numa analogia com outras áreas do conhecimento, nomeadamente com a área de Educação em Ciência, podemos enquadrar os projetos em duas categorias, em função das finalidades e das abordagens preconizadas: “empreendedorismo através da educação” ou “educação através do empreendedorismo”. Não se trata apenas de um trocadilho ou jogo de palavras. Conceptualmente tratam-se, de facto, de duas abordagens marcadamente distintas. A primeira, “empreendedorismo através da educação”, é uma perspetiva intrínseca, mais marcada pela abordagem das ciências empresariais, vocacionada para a disseminação da cultura empresarial e cuja finalidade educativa consiste em “produzir” os empreendedores necessários para corresponder às necessidades socioeconómicas das sociedades. Por outro lado, a perspetiva de “educação através do empreendedorismo” centra-se numa visão de educação para a cidadania, reconhecendo que as competências associadas aos empreendedores são relevantes na formação de todos os cidadãos e, por isso, são valorizadas e desenvolvidas em contextos educativos, no sentido de formar cidadãos mais competentes nas várias dimensões da sua vida – pessoal, social e profissional.

Talvez se possam considerar estas duas abordagens como os extremos de um possível continuum e que o equilíbrio entre ambas as perspetivas seja conseguido em diferentes proporções, de acordo com os objetivos e as necessidades educativas diferenciadas ao longo do percurso escolar das crianças e jovens. Inicialmente, nos níveis mais elementares do percurso educativo, será necessária uma abordagem mais centrada na “educação através do empreendedorismo”, a qual deverá progredir, ao logo da escolaridade, para uma abordagem mais centrada no “empreendedorismo através da educação”. Esta lógica de progressão deverá ser considerada numa perspetiva da educação para o empreendedorismo que atravesse todos os níveis educativos, desde a educação pré-Escolar até à formação de nível superior, como o que nos propomos desenvolver nos próximos anos no âmbito da componente educacional do Programa Alto Alentejo Empreende, numa parceria entre a Comunidade Intermunicipal do Alto Alentejo, o Instituto Politécnico de Portalegre, o Centro Educativo Alice Nabeiro, o Centro de Formação de Professores do Nordeste Alentejano, Agrupamentos de Escolas e outros agentes educativos do Alto Alentejo. Este projeto será uma extraordinária oportunidade produção de conhecimento para esta área emergente da educação para o empreendedorismo.

[1] http://ec.europa.eu/DocsRoom/documents/2213/

[2] http://ec.europa.eu/DocsRoom/documents/2233/

[3] https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/21484/1/Educa%C3%A7%C3%A3o%20para%20o%20Empreendedorismo%20-%20Cl%C3%A1udiaTeixeira.pdf

 

Fernando Rebola

fernando.rebola@esep.pt